Vendas de anabolizantes disparam e crescem 670% no Brasil em cinco anos | Brasil

Redação
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A venda de anabolizantes com testosterona sintética saltou 670% nos últimos cinco anos, de acordo com levantamento de dados do Valor junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Esses produtos estão proibidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para uso com fins estéticos no Brasil desde 2023.

O Valor questionou a Anvisa sobre o aumento na venda de anabolizantes, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.

Anabolizantes são hormônios esteroides naturais e sintéticos que promovem o crescimento celular e a sua divisão, resultando no desenvolvimento de diversos tipos de tecidos, especialmente o muscular e ósseo, de acordo com a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem. Essas substâncias são, geralmente, derivadas da testosterona e são administradas via oral ou injetável.

Em 2018, o número de produtos comercializados foi de 1.096.850 unidades, enquanto em 2023 essa quantidade foi de 7.355.726 unidades. O aumento, porém, pode ser ainda maior, já que os dados enviados pela Anvisa não contabilizam marca ou produto comercializado no mercado brasileiro por até três empresas — informações que não são divulgadas pela autoridade de vigilância sanitária. Além disso, os números não contam os medicamentos vendidos de forma clandestina.

Veja abaixo o salto nas vendas:

Venda de medicamentos anabolizantes entre 2018 e 2023

O número sextuplicou no período

Fonte: Anvisa

A venda de todo medicamento anabolizante exige prescrição médica. A prescrição desses medicamentos para fins estéticos foi proibida pelo CFM na Resolução nº 2.333/23.

Há uma série de hipóteses nas quais médicos podem prescrever esses medicamentos para tratar problemas de saúde, como nos casos de deficiência de testosterona no corpo, explica a endocrinologista e diretora médica de análises clínicas do Delboni, Cristina Khawali. “É permitido prescrever anabolizantes em diversas hipóteses, como quando há deficiência hormonal”, explicou.

A médica também pontua que pacientes com doenças hipofisárias, com redução dos níveis de testosterona, também poderão ter recomendação médica para o uso destes medicamentos.

“Usei por 20 anos. Só o infarto me fez parar”

Bruno Masini, de 44 anos, é um ex-dançarino, ex-fisiculturista e atualmente trabalha como personal trainer. Ele, que mora em São Paulo (SP), foi usuário crônico de anabolizantes.

Bruno Masini, personal trainer e ex-usuário de anabolizantes — Foto: Reprodução

Masini começou a usar anabolizantes em 2002, quando ainda tinha 18 anos. O consumo se iniciou quando ele entrou para o mundo da dança e percebeu que outros colegas tinham físicos melhores do que o seu, e que isso, aparentemente, lhes dava mais oportunidades de trabalho.

“Durante alguns eventos eu conheci pessoas de outros grupos que usavam anabolizantes e tinham um perfil estético bem avançado, e por conta disso eu fui atrás de informações para comprar esteroides. Eu usei isso para mudar meu físico, para conseguir trabalhar mais, para conseguir a mesma quantidade de trabalho que pessoas com corpos mais estéticos”, disse.

“Perto de 2010, eu entrei para um mercado de dança mais eletrônica, em festivais e coisas do tipo, além de começar a competir no bodybuilding”. Masini ainda afirmou que as competições de fisiculturismo impulsionaram seu uso de anabolizantes, que durou por mais de 20 anos.

“A dose de reposição hormonal para quem realmente precisa de testosterona é de 75 a 100 mg semanais. Perto de uma semana de competição [ de fisiculturismo] eu estava usando 975 mg, além de outros estimulantes”, comentou.

O uso de anabolizantes se tornou constante na vida de Masini, que alternava o uso entre doses altas e baixas, dependendo da proximidade de competições. De acordo com ele, essa prática continuou até o dia em que sofreu um infarto, em 2021.

“Eu tive diversos efeitos colaterais do uso de esteroides que não me fizeram parar, só o infarto fez”.

Problemas cardiovasculares por conta de anabolizantes

Especialistas consultados pelo Valor afirmam que usuários de anabolizantes têm uma maior tendência para a formação de placas nas artérias coronárias, impedindo o fluxo sanguíneo e o suprimento de oxigênio, o que pode levar à aterosclerose, doença que pode causar problemas como AVC e ataques cardíacos.

Esse foi o caso de Masini. Já fora das competições de dança e trabalhando como personal trainer, ele começou a sentir um aperto no peito e formigamento no braço e queixo enquanto malhava. Ao perceber essa situação, ele ligou para uma colega médica, que recomendou que se dirigisse ao hospital imediatamente.

No pronto-socorro, Masini fez um eletrocardiograma que constatou que ele estava tendo um infarto. Com isso, ele foi levado para uma cirurgia para desobstruir suas artérias e implantar stents, usados para mantê-las abertas.

Desde então, o personal trainer nunca mais fez uso das substâncias e conscientiza seus alunos sobre os impactos que o uso de anabolizantes pode gerar. Ainda assim, Masini precisa fazer exames de rotina e tomar uma série de remédios a fim de prevenir outro infarto.

“Os esteroides androgênicos têm diversos efeitos sobre o sistema cardiovascular, como o aumento da viscosidade do sangue, podendo gerar trombose, o aumento do colesterol ruim (LDL) e a diminuição da capacidade de retirada do mesmo, gerando aterosclerose, além do aumento da pressão arterial”, disse Cássio Borges, cardiologista e coordenador do Pronto Atendimento do Sírio-Libanês em Brasília.

O Conselho Federal de Educação Física (Confef) alerta que o uso de esteroides anabolizantes pode gerar diversos efeitos colaterais físicos e psicológicos, e que o profissional de Educação Física, enquanto profissional de saúde, tem o dever de alertar seus alunos e clientes quanto aos riscos que as substâncias oferecem.

Os efeitos colaterais do uso de anabolizantes

De acordo com Khawali, os usuários masculinos de anabolizantes para fins estéticos podem sofrer uma série de efeitos colaterais, como doenças cardiovasculares, acne, calvície, ginecomastia, infertilidade e distúrbios no fígado, entre outras ocorrência.

Em mulheres, o aumento da testosterona hipertrofia os músculos das cordas vocais, engrossando a voz, resulta no aparecimento de pelos em outras regiões e pode gerar alterações nos órgãos íntimos da mulher. Em alguns casos, os efeitos colaterais são irreversíveis, segundo informou o professor Alexandre Sérgio Silva, especialista em fisiologia do exercício, do Departamento de Educação Física da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e pesquisador na área de anabolizantes esteroides.

Além dos sintomas físicos, os anabolizantes podem causar uma série de problemas psicológicos, principalmente relacionados ao humor e a irritabilidade do usuário. Um estudo publicado na Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação constatou que o uso de anabolizantes está relacionado a uma maior prevalência e gravidade de transtornos psiquiátricos, especialmente depressão, mania, ansiedade, psicose e dependência.

Segundo os especialistas consultados pelo Valor, do ponto de vista bioquímico os anabolizantes não são viciantes, mas há uma “dependência biológica” por eles, uma vez que o uso gera uma melhora física e de libido, que acaba na medida que as aplicações são interrompidas.

Uso sem prescrição é questão de saúde pública

Silva explica que o aumento na venda de anabolizantes é considerado um problema de saúde pública “na medida que a prescrição está aumentando, mesmo sabendo que o uso gera danos à saúde”, isto é, indo de encontro da “proteção à própria saúde” ao fazer “uso de doses suprafisiológicas, que gera os danos”.

De acordo com o professor, a justificativa para o aumento na prescrição de receitas está sendo embasada na modulação hormonal e no fato de que a dose prescrita não é suprafisiológica, ou seja, acima do normal, e sim fisiológica. A modulação é um tratamento à base de hormônios para suprir as taxas que estão baixas.

“Esse argumento é o que sustenta o aumento no número de médicos que têm prescrito sob a ótica da modulação hormonal e não da dose suprafisiológica. O problema é: doses fisiológicas vão dar efeitos pequenos. Será que a pessoa que recebe a prescrição de uma dose apenas fisiológica vai se contentar com aquilo ou vai comprar o fármaco e tomar uma dose três ou quatro vezes maior?”, indaga

Ao Valor, o secretário de Atenção Primária à Saúde, do Ministério da Saúde, Felipe Proenço, explicou que a competência da Pasta está voltada para “orientações e atividades de educação permanente, que inclui capacitações das equipes de saúde básica em relação ao uso de fármacos e custeio de equipes de saúde que façam promoção à saúde sobre o tema”.

Ele afirmou também que qualquer recomendação de fármacos deve ser feita por recomendação de equipe de saúde, seguindo as orientações conforme “o que é preconizado nos protocolos e manuais” do Ministério.

(Colaborou Larissa Maia, de Curitiba)

*Estagiário sob a supervisão de Diogo Max

Fonte: Externa

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