Tribunal simbólico é nova denúncia de povos da Amazônia contra Cargill

Redação
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A Cargill e outras multinacionais exportadoras de grãos foram “condenadas” em julgamento simbólico realizado em Santarém (PA) por povos indígenas, ribeirinhos e agricultores familiares nesta segunda-feira (4). No “tribunal popular”, as multinacionais foram “julgadas” por gerar impactos com seus negócios aos povos da Amazônia. Um deles é a construção da Ferrogrão, ferrovia idealizada pelo agronegócio e encampada pelo governo federal para facilitar o escoamento dos grãos do Norte do Mato Grosso e Sul do Pará.

“Este Tribunal Popular determina o cancelamento imediato e definitivo do projeto da Ferrogrão pelos danos incorridos contra a natureza e os habitantes da região do Tapajós e do Xingu”, conclui a sentença simbólica divulgada pelos indígenas após o julgamento (veja o documento).

A Cargill enviou nota à redação informando que “não participa do consórcio formado para a construção da Ferrogrão”.

Esta é a mais recente denúncia contra a Cargill por gerar impactos socioambientais aos povos da Amazônia. A Repórter Brasil reuniu em um monitor inédito, lançado nesta terça-feira (5), investigações que mostram outras violações de direitos humanos e ambientais associadas à empresa. Veja o relatório completo aqui.

Do molho de tomate Pomarola ao óleo de cozinha Liza, a Cargill é dona inúmeras marcas de alimentos e tem braços no setor de biocombustíveis, cacau, nutrição animal e grãos. A empresa lidera as vendas internacionais de milho e soja e superou R$ 100 bilhões na receita de 2021.

Preocupação com meio ambiente

O tribunal em Santarém ocorre após manifestação dos povos afetados pela Ferrogrão em frente ao porto da Cargill, que já é alvo de reclamações da população local há mais tempo.

“Este lugar onde fica o porto da Cargill em Santarém representa o genocídio indígena. Aqui está o cemitério do povo tapajó, onde ficava antiga aldeia dos nossos parentes”, diz Raquel Tupinambá. “A hidrovia que liga Itaituba a Santarém corta o território Tupinambá ao meio. Todos os dias vemos as embarcações descendo o rio carregado de grãos, poluindo as nossas águas.”

Itaituba, onde chegam 1.800 carretas por dia com soja, milho e arroz para atender seis portos das multinacionais, está programada para ser o destino final da Ferrogrão.

O projeto prevê 933 km de trilhos, podendo impactar pelo menos 16 terras indígenas, segundos os movimentos do Tapajós e do Xingu. As comunidades se dizem afetadas pela expansão agrícola na Amazônia, um processo que pode se acentuar caso a ferrovia seja construída.

Há 250 km de Itaituba, descendo o rio Tapajós, está Santarém, onde a Cargill tem um grande porto capaz de receber navios cargueiros e que movimenta 5 milhões de toneladas de grãos por ano. A expectativa é chegar a 15 milhões de toneladas embarcadas, caso a ferrovia saia do papel.

“Estão destruindo nossos rios, florestas e animais ao nosso redor, na nossa terra. Estamos rodeados de grãos e agrotóxicos. O veneno [da soja] cai nos rios onde nossas crianças tomam água, tomam banho. Eu sou contra garimpo ilegal, contra pesa predatória, contra extração ilegal de madeira e sou contra a Ferrogrão, que não traz benefício. Único benefício que traz é a morte do meio ambiente”, diz Mydjere Kayapó, da Terra Indigena Mekragnotire.

Indígenas fazem protesto em frente ao porto operado pela Cargill em Santarém (Foto: Raissa Azeredo/Arquivo pessoal)

“Isso aqui não é alimento. Isso aqui é veneno. Isso aqui destrói as nossas vidas. Mas vamos defender o nosso território. Fora Cargill. Trilho da destruição, Ferrogrão, não”, disse a líder indígena Alessandra Korap Munduruku, em frente a uma saca de grãos, no protesto em Santarém.

Cargill já foi citada em outras violações

Em outubro de 2023, a Repórter Brasil mostrou que obras de infraestrutura da multinacional têm um impacto significativo na organização da sociedade em seu entorno. É o caso do porto de embarque e desembarque de grãos mantido pela empresa no município de Itaituba (PA), o mesmo que será beneficiado com a Ferrogrão. A estrutura do porto possui capacidade de embarque de 24 mil toneladas por dia, o equivalente a oito barcaças.

Com o porto, de uma pequena vila, a região foi transformada em zona comercial, industrial e portuária, com fluxo intenso de caminhões que abastecem o terminal graneleiro. Segundo relatos ouvidos pela reportagem, um dos principais impactos é o aumento da violência sexual e da prostituição na comunidade. 

Na época, a Cargill afirmou que “lamenta saber que haja essa tentativa de conexão entre a presença da empresa em Miritituba e temas tão sérios como abuso e exploração de crianças e adolescentes ou violação dos direitos de comunidades tradicionais. A íntegra da manifestação da empresa pode ser lida aqui.

A Cargill também já foi condenada por episódios envolvendo trabalho escravo e violações trabalhistas entre seus fornecedores. Em setembro de 2023 a 39ª Vara do Trabalho de Salvador (BA) condenou a companhia por práticas de trabalho escravo e infantil em plantações de cacau de seus fornecedores no Brasil. A Justiça determinou que a Cargill pague uma indenização de R$ 600 mil por danos morais coletivos, a serem aplicados em projetos de proteção a crianças. Ainda cabe recurso.

Em nota enviada à Repórter Brasil no momento da publicação da reportagem sobre a cadeia de cacau, a companhia afirmou que “não tolera tráfico humano, trabalho forçado ou infantil em suas operações ou cadeia de suprimentos”. A multinacional também argumentou que aplica “medidas imediatas” para suspender fornecedores flagrados em violações. Leia aqui a íntegra da nota enviada pela Cargill.

Outra reportagem de abril de 2023 revelou que a empresa comprou soja de uma família cujas fazendas Santa Ana, em Cláudia (MT), possuem área embargada por queimada e desmatamento irregular. As negociações ocorreram entre 2019 e 2022. Questionada na época, a Cargill afirmou que “essas negociações ocorreram no período em que o referido produtor não fazia parte de nenhuma lista restritiva e, após análise, contatou-se que cumpria todos os critérios para comercialização” com a companhia. A íntegra da manifestação pode ser lida aqui.

“A empresa não investe os recursos adequados tanto nas equipes que precisam monitorar as fazendas, quanto na profundidade das investigações necessárias para deixar de fora de sua cadeia de suprimentos o desmatamento na Amazônia e no Cerrado”, comenta a João Gonçalves, diretor sênior no Brasil da ONG Mighty Earth, que realiza ações para pressionar os Cargill-MacMillan, família controladora da Cargill, para que cumpra seus compromissos socioambientais.

No Brasil, a Cargill é signatária de acordos setoriais com foco em meio ambiente e direitos humanos. Além da Moratória da Soja, que veda a compra de grãos de áreas desmatadas na Amazônia, e do Pacto Global para Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, a empresa anunciou no fim do ano passado que adiantou seu compromisso de acabar com o desmatamento em sua cadeia de produção de 2030 para 2025.

Fonte: Externa

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