Embora seja inevitável para todas as pessoas do planeta, a maioria das pessoas não gosta de falar sobre a própria morte. Apenas 22% das pessoas nos Estados Unidos documentaram seus desejos de fim de vida, de acordo com um estudo da Vitas Healthcare, por exemplo. Isso significa que, para os outros 78%, cabe aos entes queridos lidar com a miríade de decisões necessárias em caso de doença terminal e morte.
Tratar a morte como um tema tabu é um comportamento arraigado para muitos americanos, diz Lisa Pahl, assistente social licenciada cuja visão do processo de morte em seu trabalho levou ao desenvolvimento do The Death Deck [algo como “O Baralho da Morte”, em tradução direta], um jogo criado especificamente para ajudar a aliviar o desconforto em torno das conversas sobre a morte. (No Brasil, esse tema também é considerado tabu, como apontou recentemente Ana Claudia Quintana Arantes, geriatra especializada em cuidados paliativos).
As perguntas de múltipla escolha e abertas do baralho exploram todo tipo de assunto relacionado à morte, como quem você gostaria que escrevesse seu obituário, com que frequência você pensa sobre a morte e se você escolheria viver para sempre, se pudesse.
“Em geral, não somos expostos a conversas abertas sobre a morte e o morrer – é assim que muitos de nós fomos criados”, avalia Lisa. “As pessoas costumam dizer coisas como: ‘Ah, não fale sobre isso. É muito mórbido. Vamos falar sobre algo mais agradável’. Então, criamos o jogo para ajudar as pessoas a ter essa conversa de um jeito mais leve. A ideia é: se conseguirmos fazer com que as pessoas respondam a algumas dessas perguntas, a conversa já vai ter começado”.
Lisa passou muito tempo pensando em como ter esse tipo de conversa com familiares: o que é importante descobrir? Quando é o momento certo? Como começar? Em última análise, resume ela, o mais importante é tentar.
“Evitar o assunto não impede que a morte aconteça”, ressalta Lisa. “Quando dou apoio às famílias nos meses que se seguem à morte, as pessoas têm muitas dúvidas, na maioria das vezes porque não houve conversas sobre o que a pessoa que está morrendo gostaria que acontecesse nos dias derradeiros. Ter essas conversas proativas pode aproximar as pessoas e fortalecer os relacionamentos”.
Confira, a seguir, como começar.
O que você precisa saber
Antes de se sentar com seus pais, seu cônjuge ou outro ente querido importante, faça um balanço dos detalhes que seria útil saber no caso de cuidados no fim da vida ou de morte.
No nível mais básico, é preciso ter uma declaração antecipada de vontade (o documento legal que descreve seus desejos de cuidados médicos, caso você não possa comunicá-los por conta própria), um testamento em vida e uma procuração, bem como acesso a senhas de contas. Mas, além desses preparativos, há outras questões a serem consideradas, como:
- Onde a pessoa quer viver quando não puder cuidar de si mesma?
- Qual é o sentimento dela em relação a tubos de alimentação e ventilação mecânica?
- Quem ela quer que tome decisões sobre seus cuidados de saúde quando ela não puder mais tomar essas decisões?
- O que ela quer que aconteça com seu corpo após a morte?
- Ela gostaria de ter um velório e, se sim, como gostaria que fosse?
“Converso com muitas pessoas em luto que sentem raiva dos parentes por eles terem deixado tanta coisa por fazer e decidir depois da morte”, comenta Lisa. “É um verdadeiro presente para os familiares poder seguir instruções, em vez de tomar decisões em nome de outra pessoa”.
Aproveite as deixas
Lisa diz que, para os entes queridos que evitam falar de morte, os programas de TV, os filmes, os artigos, os livros e os podcasts podem ser um bom ponto de partida para a exploração de tópicos relacionados ao tema. Qualquer caso, seja real ou fictício, pode começar uma conversa sem colocar ninguém debaixo dos holofotes.
“Minha mãe sempre assistia a This is Us, e vários episódios fizeram um ótimo trabalho com o processo de morte e como as coisas acontecem numa família”, conta Lisa. “Quando o planejamento de cuidados avançados apareceu em certo episódio, liguei para ela e descobri que ela tinha muitas opiniões sobre o que faria diferente na mesma situação”.
Histórias de vizinhos e parentes podem servir a um propósito semelhante – uma tia com diagnóstico de câncer ou um colega de trabalho que teve um derrame e foi entubado, por exemplo. Essas histórias oferecem uma oportunidade de pensar em voz alta com seus entes queridos sobre o que você faria nas mesmas situações.
“Tento incentivar as pessoas a fazer declarações sobre si mesmas e a falar sobre seus pensamentos sobre o assunto, porque isso permite que a outra pessoa entre na conversa, concordando ou discordando de você, o que sempre facilita”, comenta Lisa.
Mantenha o foco no benefício
A ideia de deixar entes queridos pode ser tão dolorosa para algumas pessoas que evitar o assunto parece ser um ato de carinho. Um redirecionamento que tire o foco das burocracias e aborde o assunto como um presente de amor para os outros pode ajudar.
“Às vezes, os pais respondem muito bem quando entendem que saber essas coisas é útil para você, é um jeito de permitir que você cuide deles”, observa Lisa. “Você pode dizer: ‘Eu amo vocês e quero cuidar bem de vocês na velhice, quero que tenhamos essa conversa para que eu saiba como vocês querem que eu faça isso’”.
Fale sobre suas próprias escolhas
Se você vai perguntar aos seus entes queridos o que eles querem no caso de seu fim iminente ou morte, você também deve ter suas respostas prontas. Preencha uma declaração antecipada de vontade e a leve para conversar com sua família.
“Encorajo as pessoas a se prepararem para falar sobre esses pontos e partir desse ponto de vista”, ensina Lisa. “Porque a verdade é que qualquer um de nós pode morrer a qualquer momento. Então é bom que você tenha conversado com seus familiares sobre suas escolhas”.
Se eles ainda não tiverem feito uma declaração antecipada, isso pode introduzir o assunto – e, no mínimo, colocar você no meio de uma conversa que lhe dará uma visão das escolhas pessoais deles.
Saiba quando deixar para lá
Quando se trata de falar sobre morte, algumas pessoas resistem até mesmo aos convites mais sutis e criativos. No final das contas, o mais importante é preservar o relacionamento enquanto as pessoas estão vivas, mesmo que isso signifique desistir da conversa por enquanto.
“Não podemos controlar ninguém”, diz Lisa. “Acho que tudo o que você pode fazer é se preparar para estar o mais pronto possível quando chegar a hora”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU