Ruralistas apostam em PECs para avançar sobre direitos indígenas no Congresso

Redação
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Para fazer avançar suas pautas em relação às demarcações de terras indígenas, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a chamada bancada ruralista, tem apostado na tentativa de modificar a Constituição Federal.

São três as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) em trâmite no Congresso Nacional com a finalidade de alterar a redação do artigo 231, que trata dos direitos indígenas.

Considerada prioritária, a PEC 48/2023 busca estabelecer a data de promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988, como marco temporal para as demarcações. 

A tese foi rejeitada pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em 21 de setembro de 2023 após anos de julgamento. Mesmo assim, uma semana depois, em meio a uma disputa de poder entre o Legislativo e a Corte, o Senado aprovou a toque de caixa o projeto de lei que trata do tema (PL 2.903/2023), em operação orquestrada pela FPA. No mesmo dia, a frente apresentou no Senado a PEC 48, de autoria do senador Dr. Hiran (PP-RR). 

A matéria aguarda a publicação do parecer pelo relator Esperidião Amin (PP-SC) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa. A assessoria de imprensa do senador informou à Agência Pública que não há previsão para que isso aconteça. Mas, questionado pela reportagem, o líder da bancada, deputado Pedro Lupion (PP-PR), afirmou ter recebido do presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União-AP), a garantia de que ele “vai tramitar essa PEC”.

Já a PEC 132/2015, que passou pelo Senado e agora está na Câmara, pretende incluir no artigo 231 a possibilidade de que proprietários de imóveis incidentes sobre terras indígenas sejam indenizados não apenas pelas benfeitorias realizadas na propriedade – por exemplo, a construção de casas ou cercas –, mas também pelo valor do terreno, a chamada “terra nua”. 

A proposta foi aprovada pela CCJ da Câmara em maio de 2016 e desde então estava parada, mas foi resgatada pela FPA no ano passado, depois que o STF retomou o julgamento do marco temporal. Em novembro, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), criou uma comissão especial para discutir a PEC. 

Segundo Lupion, as duas propostas representam uma estratégia da bancada contra a eventual derrubada da Lei 14.701/2023. Oriunda do PL 2.903/2023, ela abarca os pontos centrais das PECs, mas é ameaçada por três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que pedem sua derrubada no STF. Apresentadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e por partidos de esquerda (Psol, Rede, PDT, PCdoB e PV), as ADIs argumentam que o marco temporal já foi considerado inconstitucional pela Corte.

“As alterações [propostas] ao [artigo] 231 são a constitucionalização do tema, se houver questionamentos em relação à lei ordinária que nós aprovamos”, disse Lupion a jornalistas na última semana. No contra-ataque às ADIs, PL, Progressistas e Republicanos pedem ao Supremo que declare a validade da lei, por meio da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87. As quatros ações estão sob relatoria do ministro Gilmar Mendes.

Tramita ainda no Senado a PEC 59/2023, que busca transferir para o Congresso Nacional a atribuição da demarcação de novas terras indígenas e a ratificação das já realizadas. Atualmente, o processo de reconhecimento formal dos territórios fica a cargo do governo federal.  

De autoria do senador Carlos Viana (Podemos-MG), a matéria é uma reedição da PEC 215/2000, duramente combatida pelo movimento indígena e arquivada em janeiro do ano passado. Apresentada em novembro de 2023, a proposta aguarda a designação de um relator na CCJ.

A deputada indígena Célia Xakriabá (PSOL-MG), que liderou a mobilização contra o PL 2.903/2023 no Congresso, considera que as PECs são também uma resposta dos ruralistas às críticas de que não seria possível modificar uma determinação constitucional – sobretudo a de que é garantida aos povos indígenas a posse permanente das terras tradicionalmente ocupadas por eles, sem referência a marco temporal – por meio de um projeto de lei.

“Falávamos que era inconstitucional, e agora eles vêm com esse outro formato”, aponta. “Mesmo com as PECs, os direitos indígenas são cláusula pétrea, imexíveis, inegociáveis. É um direito originário. Mesmo antes da Constituição, nas primeiras leis de terras, já se garantia a demarcação dos territórios indígenas.”

As cláusulas pétreas da Constituição se referem, entre outros pontos, a direitos e garantias individuais enunciados pelo texto constitucional. Ministros do STF como Edson Fachin – relator no julgamento do marco temporal – e seu atual presidente, Luís Roberto Barroso, já manifestaram a análise de que os direitos indígenas se enquadram em tal definição.

Por isso, caso as PECs sejam aprovadas pelo Congresso, caberá o questionamento de sua constitucionalidade no Supremo, em mais um capítulo da queda de braço entre Legislativo e Judiciário em relação à pauta indígena, avalia Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e consultora legislativa aposentada da Câmara. 

“Não tenho dúvidas de que a judicialização será imediata e de que as organizações socioambientais ajudarão nessa ação”, destaca.

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