Quem são os expoentes do novo movimento libertário na Argentina

Redação
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A chegada de Javier Milei à presidência permitiu o enraizamento de um novo movimento libertário na Argentina. Hoje, ele estende-se a todas as províncias do país e atrai principalmente os jovens à política. Mas, afinal, quem são essas novas caras que o compõem?

Christopher Gadsen jamais imaginou que sua bandeira amarela (criada há mais de duzentos anos) com uma cascavel preta enrolada em posição defensiva e a legenda “não pise em mim”, um dia, predominaria todo um país ao outro lado do hemisfério. As múltiplas crises na Argentina fizeram com que esses símbolos junto às principais ideias libertárias ganhassem um importante espaço em seu território.

Nesse contexto, surge Milei, que desde o começo se identificava como um “liberal-libertário” e foi o responsável pela divulgação e implementação dessas ideias. Os mais jovens começaram a querer conhecer um pouco sobre essa filosofia política e a levaram a todas as áreas da sociedade argentina, o que permitiu, em apenas cinco anos, a eleição do economista como deputado nacional e em seguida como presidente.

A origem do libertarismo

O libertarismo tem as suas raízes na Inglaterra do século XVII com o movimento Levellers (em português: niveladores). Posteriormente esses princípios do liberalismo clássico, defendidos por Adam Smith e John Locke, foram desenvolvidos por figuras como Herbert Spencer, Frédéric Bastiat, Gustave de Molinari e Lynsander Spooner, ao longo do século XIX.

A tradição libertária, especialmente nos Estados Unidos, mantém grande parte dos valores e ideais liberais clássicos, como o individualismo, a liberdade econômica e a defesa do livre mercado como a melhor maneira de alocar recursos e conceber o papel do Estado. Esses valores são fundamentados na utilidade e nos direitos naturais.

A partir de 1940, o libertarianismo começou a se inclinar em direção à Escola Austríaca de Economia, por meio de pensadores como Friedrich von Hayek. O filósofo desenvolveu e aprofundou as bases teóricas do chamado individualismo metodológico, argumentando que a única forma de compreender os fenômenos sociais é através da compreensão das ações individuais.

Em sua obra “O Caminho para a Servidão”, Hayek rejeitou o planejamento centralizado da economia, argumentando que tanto o socialismo quanto o nazismo são produtos do coletivismo e representam ameaças à liberdade individual. Hayek sustenta que, embora o socialismo e o nazismo possam parecer ideologicamente opostos, compartilham uma característica crucial: a concentração de poder nas mãos do Estado e a supressão da liberdade individual em nome do bem comum.

As ideias de Hayek exerceram uma forte influência nos Estados Unidos e em 1949, ele foi  para a Universidade de Chicago. Pouco depois, seu professor, Ludwig von Mises, chegou a Nova York, onde seus seminários inspiraram um grupo de jovens libertários que frequentemente se reuniam no apartamento de Murray Rothbard, um dos estudantes mais destacados e que em 1962 publicou “Homem, Economia e Estado” onde critica o intervencionismo estatal na economia, argumentando que as interferências governamentais nos mercados, como regulamentações e controles de preços, distorcem os sinais de mercado e levam a resultados ineficientes.

Em entrevista para o jornal americano El Grand Continent, Matt Zwolinski, professor de filosofia na Universidade de San Diego, disse que “durante a maior parte do século XX, a ameaça unificadora do socialismo, como ideologia e prática política, foi o fator definidor do libertarismo”. Segundo ele, “este inimigo comum” de certa forma “mascarou as divergências entre libertários e conservadores”.

Em relação ao Milei, o professor acredita que “nas últimas duas décadas, nenhum libertário, com a possível exceção de Ron Paul, foi tão influente quanto Milei”. “Sua ascensão marca sem dúvida a evolução mais significativa na prática política libertária desde meados do século XX”, sublinhou.

Para Zwolinski, “a sua admiração por líderes como Trump e Bolsonaro parece vir não das suas posições nacionalistas ou anti-imigração, mas daquilo que ele considera ser a sua oposição ao socialismo. O antissocialismo radical de Milei é central para a sua filosofia política”.

As raízes do movimento libertário na Argentina

Ao longo da segunda metade do século XX, a família Benegas Lynch não só foi fundamental na introdução do liberalismo no pensamento económico argentino e, em particular, nas ideias da Escola Austríaca, como também foi a que proporcionou as ferramentas necessárias para o posterior surgimento do movimento libertário de Javier Milei.

Em 1942, Alberto Benegas Lynch (pai), doutor em Economia e doutor em Ciências de Gestão, organizou um encontro, junto a outros colegas, que chamou de “El Seminario”. A cada duas semanas, eles se reuniam para estudar o livro “Prosperidade e Depressão” de Gottfried Haberler, e foram os primeiros a falarem sobre a Escola Austríaca na Argentina.

Pouco tempo depois, Lynch viajou aos Estados Unidos e conheceu Mises e Hayek. Ao retornar à Argentina, fundou em 1957 o Centro de Estudos para a Liberdade, dedicado à formação das novas gerações. Nestes centros foram oferecidas conferências e publicações de livros de diversos autores como Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Leonard Read, Henry Hazlitt, Israel Kirzner e Murray Rothbard.

Seguindo os mesmos passos que seu pai, Alberto Benegas Lynch (filho), presidente da Academia Nacional de Ciências Econômicas, fundou a Escola Superior de Economia e Administração de Empresas (ESEADE) em 1978, criando os primeiros cursos de pós-graduação na Argentina que formaram milhares de jovens nas ideias da liberdade e os ensinaram sobre a defesa da liberdade individual, a propriedade privada, a economia de mercado e o governo limitado.

Hoje, o presidente Milei, que é fã número 1 de Lynch (filho), cada vez que sobe ao palco, pronuncia a definição de liberalismo de seu ídolo: “O liberalismo é o respeito irrestrito ao projeto de vida do próximo, baseado no princípio da não agressão, em defesa da vida, da liberdade e da propriedade”.

O mandatário confessa que se tornou um seguidor da Escola Austríaca depois de ler a tradução ao espanhol de Lynch (pai) de “Monopólio e Competição”, de Murray Rothbard. Motivo pelo qual tem um carinho muito grande pela família, tão grande que Milei convidou Lynch (filho) para realizar um discurso no ato de encerramento de campanha dele.

Por sua parte, o líder da direita também convidou Alberto Benegas Lynch (neto) para disputar como candidato à Câmara dos Deputados pelo seu partido, o Partido Libertário (PL), nas eleições de 2023. A lista de Lynch (neto) conseguiu obter os votos necessários e ele se elegeu como deputado nacional pela província de Buenos Aires.

Os novos rostos do movimento

Desde já, que uma das grandes responsáveis pelo triunfo de Javier MIlei, foi Karina Milei, irmã e braço direito do presidente eleito. Para o irmão, ela é “El Jefe” (em português, o chefe), já que foi a guru de sua campanha. Formada em Relações Públicas, Karina é dois anos mais nova que Javier Milei e se tornou sua principal conselheira e confidente.

Após o triunfo de seu irmão, ele a nomeou Secretária Geral da Presidência da Nação. Quando foi questionado pela apresentadora Viviana Canosa, sobre sua irmã, Milei respondeu emocionado: “Olha, você sabe que Moisés foi um grande líder, mas ele não era bom em espalhar a palavra. Então Deus enviou Arão para espalhar a palavra. Bem, Kari é Moisés e eu sou Arão. Sou apenas um divulgador”.

Apesar de não gostar tanto das câmeras, Karina tem uma imagem positiva bem elevada na Argentina, que poderia a levar a qualquer cargo político no país. Contudo, a irmã do Chefe de Estado não é o único rosto feminino que se destaca dentro do movimento libertário. A figura de Victoria Villarruel, eleita vice-presidente de Javier Milei, também é promissora.

Villaruel foi fundamental para a imagem da fórmula presidencial ao representar o lado mais “conservador” do libertarianismo argentino. A advogada de 48 anos, fundou, em 2006, o Centro de Estudos Jurídicos sobre o Terrorismo e suas Vítimas (CELTYV) para buscar reparação às vítimas dos Montoneros, que tinham raízes peronistas, ligadas ao movimento criado pelo ex-presidente argentino Juan Domingo Perón; e do Exército Popular Revolucionário (ERP), uma organização de orientação trotskista. Ambas organizações guerrilheiras argentinas que atuavam desde o início da década de 1970.

“Estamos conseguindo abordar muitas ideias que eram impensáveis, que eram intocáveis, que não podiam ser questionadas”, disse Villarruel no final da campanha do primeiro turno, em entrevista à rádio Cadena 3.

A advogada foi eleita deputada nacional em 2021, ao lado de Javier Milei. Até então, eram os únicos representantes da coligação libertária dentro da Câmara. Ao ser eleita vice de Milei, nas eleições presidenciais de 2023, Villaruel também ocupou a presidência do Senado, substituindo Cristina Fernández de Kirchner, e vem sendo bastante elogiada por seus eleitores pelo seu trabalho.

Na mesma linha, aparece Diana Mondino que atualmente ocupa o cargo de Ministra das Relações Exteriores de Javier Milei. Formada em economia pela Universidade Nacional de Córdoba, também possui um mestrado em Administração de Empresas pela Universidade de Navarra, na Espanha.

Mondino possui ampla experiência no setor privado em avaliação de riscos e análise de mercado. A economista já dirigiu diversas empresas como Pampa Energía, Edenor, Banco Supervielle, Bodegas Valentín Bianchi, Loma Negra e Banco Roela. Ela também foi cofundadora da Risk Analysis, uma empresa de classificação de risco que mais tarde foi adquirida pela Standard and Poor’s, e como resultado ela se tornou diretora da S&P para a América Latina. Antes de ser nomeada chanceler, foi eleita deputada nacional pela cidade de Buenos Aires no topo da lista de La Libertad Avanza (LLA).

Em relação ao ingresso da Argentina ao BRICS, Mondino disse que “é como ser convidado para uma festa com seu ex: ou você vai bem vestido ou é melhor não ir”. “Já que temos fragilidades econômicas e políticas, e também insatisfação na sociedade, precisamos de muitas coisas antes de dedicar tempo a essas questões geopolíticas dessa natureza, que é jogo de outra pessoa”, afirmou a ministra no ciclo “Democracia e Desenvolvimento”.

Ala jovem

No entanto, não há como falar dos expoentes do movimento libertário argentino sem fazer menção aos jovens que foram os responsáveis pelo seu alcance a nível nacional nos últimos cinco anos.

Ramiro Marra, atual presidente do Partido Libertario, é uma das figuras mais polêmicas dos jovens libertários. YouTuber financeiro e diretor do Bull Market Group, uma fintech pertencente à sua família, foi eleito vereador da cidade de Buenos Aires, em 2021.

Nas eleições do ano passado, se candidatou para o cargo de Governador da Cidade de Buenos Aires, porém ficou em terceiro lugar, alcançando 13,89%. A falta de êxito eleitoral poderia estar relacionado aos rumores sobre seu passado mais peronista ou ao pouco alcance que têm no público mais velho.

Além de Marra, há outra jovem figura que sempre aparece no centro das discussões mais polêmicas. Se trata de Lilia Lemoine, eleita deputada nacional nas eleições legislativas argentinas de 2023 com 25,44% dos votos. Às vésperas das eleições gerais, ela mencionou que o primeiro projeto como deputada seria a possibilidade de os homens renunciarem à paternidade caso se comprove que ela é indesejada. Apesar de tentar, com a proposta, mostrar a falha da narrativa feminista pró-aborto, suas palavras foram bastante criticadas.

Mas nem tudo é controvérsia. Outros jovens vêm se destacando dentro do movimento libertário. Entre eles, os advogados Agustin Romo, que se elegeu como deputado provincial, e Maria Celeste Ponce, que nas últimas eleições ocupou o cargo de deputada nacional pela província de Córdoba. Ambos vêm se destacando pelo seu trabalho na chamada “batalha cultural” contra a esquerda dentro da Câmara e principalmente nas redes sociais.

Este movimento que atualmente abrange muito mais que jovens, economistas e filósofos, busca se expandir aos pontos mais extremos do país e criar novos intelectuais que possam levar os princípios da liberdade ao resto do continente.

O libertarianismo argentino já não é o mesmo que foi traçado em seus primórdios. Hoje, ele dá espaço a outras correntes filosóficas como a do conservadorismo, com o objetivo de enfrentar as ideias socialistas e coletivistas que tanta miséria causaram na América Latina.

Fonte: Externa

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