No início da pandemia da Covid-19, o então comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, enviou repetidos recados de Jair Bolsonaro (PL) à Diretoria de Saúde da Força: o presidente queria ver a cloroquina incluída nos protocolos militares para o tratamento da doença.
O chefe militar conversou com o então diretor de Saúde, general-médico Alexandre Falcão, e o então chefe do Departamento-Geral de Pessoal, general Paulo Sérgio Nogueira. Pujol, porém, encontrou resistência para alterar os protocolos —não há estudos ou indicativos reais de que a droga seja eficaz no combate à Covid.
Mesmo com a negativa, Pujol dobrou a aposta: chamou um oficial-médico da Marinha para apresentar ao Alto Comando do Exército (colegiado dos 16 generais quatro estrelas), no primeiro semestre de 2020, uma defesa do chamado tratamento precoce.
A ação do comandante foi entendida por uma parte da cúpula do Exército como uma afronta à Diretoria de Saúde.
Com o cenário adverso, Paulo Sérgio Nogueira acabou respaldando a posição dos militares-médicos do Exército e se dispôs, como general quatro estrelas, a se responsabilizar pela negativa às mudanças nos protocolos da Força.
Com isso, ele e Falcão passaram a ser vistos como militares que não estavam alinhados a Bolsonaro, por incluírem nos protocolos de saúde o distanciamento social e a obrigatoriedade do uso de máscara como contraponto ao kit Covid, composto por medicamentos ineficazes contra a doença.
A Folha conversou com sete generais contemporâneos de Paulo Sérgio Nogueira nas duas últimas semanas. Eles contam que o ex-ministro, antes visto como conciliador e defensor da tecnicidade, passou por uma metamorfose ao assumir postos políticos no governo Jair Bolsonaro.
A cúpula do Exército, no entanto, vê a bolsonarização de Paulo Sérgio diferente da politização de outros generais que compuseram o primeiro escalão do último governo, como Walter Braga Netto, e tentou em um primeiro momento preservar a imagem do militar.
A atuação do general na fiscalização das eleições e sua participação em reuniões em que foram discutidas minutas de decreto que promoveria um golpe de Estado são investigadas pela Polícia Federal.
O general Paulo Sérgio Nogueira teve uma ascensão rápida e inesperada no governo Bolsonaro. Ele era somente o quarto oficial mais antigo no Exército quando o presidente e Braga Netto, então ministro da Defesa, decidiram nomeá-lo para o comando da Força, em abril de 2021.
Exatamente um ano após assumir o Comando do Exército, Paulo Sérgio foi chamado para chefiar o Ministério da Defesa.
A cruzada do general contra o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) começou em maio de 2022, quando a corte rejeitou três sugestões das Forças Armadas para mudança no processo eleitoral daquele ano.
Declarações públicas do então ministro da Defesa contra a forma como o tribunal conduzia a Comissão de Transparência fizeram estremecer a relação entre os ministros do tribunal e os militares.
“Até o momento, reitero, as Forças Armadas não se sentem devidamente prestigiadas por atenderem ao honroso convite do TSE para integrar a CTE [Comissão de Transparência das Eleições]”, escreveu Paulo Sérgio em documento à corte.
Integrantes do Alto Comando do Exército atuaram junto ao TSE para distensionar o clima quando o ministro Alexandre de Moraes assumiu a presidência da corte.
Segundo relatos feitos à Folha, generais fizeram pedidos a Moraes e ao secretário-geral do tribunal, José Levi, para que eles acolhessem a sugestão das Forças Armadas para alterar o teste de integridade com biometria das urnas eletrônicas no dia da votação.
Os militares se comprometiam, em troca, a incluir no relatório final da fiscalização do processo eleitoral somente o que fosse identificado. Se não encontrassem suspeitas nas eleições, portanto, não iriam levantar minúcias para manter a suspeição sobre as urnas.
Neste contexto, o chefe da equipe de fiscalização das Forças Armadas, coronel Marcelo Nogueira, chegou a ser chamado a fazer uma apresentação das informações levantadas pelos militares para o Alto Comando do Exército.
O relatório entregue pela Defesa ao TSE não apontava suspeitas de fraude. Ele concluiu, porém, que “não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento”.
Generais do Alto Comando, que receberam o documento antes de ser entregue à corte, viram em pontos levantados pelos militares uma possível quebra de confiança com Moraes. E foi apresentada ao coronel Marcelo Nogueira a possibilidade de ele não assinar o relatório —permanecendo somente o registro de Paulo Sérgio.
Nogueira acabou endossando o documento. Ele foi para a reserva meses depois, para trabalhar no setor privado.
Paulo Sérgio foi chamado para depor na Polícia Federal no último dia 22 de fevereiro, mas seguiu a estratégia de Bolsonaro e aliados e ficou em silêncio. A Folha tentou contato com a defesa do militar, mas não recebeu resposta.
Os depoimentos dos ex-chefes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos Baptista Júnior, revelaram detalhes de encontros dos comandantes das Forças Armadas e o ex-ministro da Defesa —fatos descobertos recentemente pela PF que podem dificultar a situação de Paulo Sérgio.
Segundo Baptista Júnior, o então ministro da Defesa chamou os chefes militares para uma reunião na sede da pasta em 14 de dezembro de 2022. Sobre a mesa, havia uma minuta para promover um golpe de Estado.
“Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?”, questionou o comandante da Aeronáutica, segundo seu próprio depoimento. Paulo Sérgio se calou.
A reunião tensa, descrita em detalhes por Baptista Júnior à Polícia Federal, coloca Paulo Sérgio entre aqueles aliados de Bolsonaro que aceitariam discutir ações golpistas para evitar a posse de Lula (PT) —mesmo que o próprio Ministério da Defesa não tenha encontrado indícios de fraude nas urnas eletrônicas.