Um eclipse solar é um evento global. Uma festa que reúne milhões de pessoas de todas as partes do mundo em uma estreita faixa de observação, misturando a população local a viajantes de terras distantes numa contemplação majestosa de um dos mais belos fenômenos da natureza. Mas nem sempre foi assim… Antes que a Ciência pudesse explicar definitivamente o fenômeno, a ocorrência dos eclipses eram cercadas de misticismos e vistos como prenúncio de que algo muito ruim aconteceria.
Os eclipses eram temidos… principalmente pelos reis, que tinham medo de perder o trono, e também pelos astrônomos da época, que tinham um certo receio de perder a cabeça… literalmente.
Vêm da China de mais de quatro mil anos atrás, os primeiros registros escritos de um eclipse total do Sol e que é também a trágica história de dois astrônomos que não foram capazes de avisar ao rei do eminente fenômeno celeste.
Naquela época, a China já era um grande império, uma civilização desenvolvida que florescia ao longo das férteis planícies dos rios Amarelo e Azul. Sob o governo de líderes locais e regionais, comunidades agrícolas haviam evoluído para cidades prósperas, sustentando uma sociedade complexa com práticas agrícolas avançadas e sistemas de governo hierárquicos. A economia era impulsionada pelo comércio interno e externo, com rotas comerciais estabelecidas ao longo dos rios e pelo mar. A escrita, inventada alguns séculos antes, impulsionava todo o progresso daquela era, marcada por avanços significativos na agricultura, metalurgia, cerâmica e tecelagem.
A única coisa complicada foi que os chineses inventaram a escrita antes de inventar o papel e a caneta. Para registrar suas histórias para a eternidade, eles cunhavam seus caracteres em ossos de animais ou cascos de tartaruga. Deve ter nascido dali aquela desculpa do trabalho da escola que não foi entregue porque cachorro comeu. E talvez seja esse o motivo de não termos informações tão detalhadas sobre os acontecimentos que marcaram o dia do mais antigo eclipse já registrado na história.
Não existe nem mesmo um consenso sobre o ano em que isso ocorreu. A data mais provável é 22 de outubro do ano 2137 a.C.. Mas é certo que nesta época, a China já tinha uma astronomia bem evoluída e, provavelmente, os astrônomos chineses já tinham a capacidade de prever um eclipse 15 séculos antes de Tales de Mileto. Mas nem todos…
Hsi e Ho eram os astrônomos reais que serviam diretamente o imperador Chun King. Suas funções eram essenciais para o desenvolvimento da nação, pois através da leitura dos astros, eram determinados os melhores dias para plantar e colher, as datas das celebrações religiosas e as épocas de chuva, seca e cheias dos rios. Eles também eram responsáveis por prever a ocorrência de eclipses, e como esses fenômenos eram considerados precursores de má sorte, precisavam avisar diretamente o imperador quando um eclipse fosse ocorrer.
Os chineses acreditavam que os eclipses eram causados por um grande dragão celeste que se alimentava do Sol trazendo escuridão para a Terra. Felizmente, eles tinham uma estratégia para evitar a tragédia iminente. Ao ser avisado, o rei convocava seu exército e, no primeiro sinal de que o dragão começava a devorar o Sol, ou seja, no início do eclipse, seus arqueiros iniciavam a defesa do astro. Ao som de tambores, eles atiravam flechas na direção do dragão, a fim de espantar o monstro cósmico e salvar a principal fonte de luz e energia do planeta.
Nós sabemos, e provavelmente Hsi e Ho também sabiam, que o fenômeno não tem nada de místico e não envolve dragões famintos ou qualquer outra criatura cósmica. Eclipses solares ocorrem quando a Lua, em sua trajetória em torno da Terra, se coloca exatamente entre a Terra e o Sol, ocultando temporariamente o astro no céu. Como, tanto o Sol quanto a Lua têm seus ciclos bem definidos, a ocorrência desses alinhamentos pode ser calculada com certa antecedência.
Não se sabe ao certo se Hsi e Ho não conseguiram prever o eclipse de 22 de outubro de 2137 a.C. ou se eles simplesmente esqueceram de avisar o imperador. Foi então que o dragão sorrateiramente atacou o Sol naquela manhã, e aos poucos foi devorando o astro rei. Quando a população da China percebeu o que estava acontecendo, entrou em desespero. Gritos e lamentos eram ouvidos pelos vilarejos e os soldados correram para avisar o imperador do ataque. Chun King conseguiu mobilizar os arqueiros de sua guarda para defender o Sol, mas já era tarde.
Como não encontrou resistência, o dragão conseguiu devorar todo astro. O dia se tornou noite, restando apenas um rastro de luz ao redor do disco escurecido onde antes habitava o Sol. Resilientes, os arqueiros não desistiram e seguiram atirando suas flechas contra o monstro por vários minutos. Até que, de repente, o dragão parece ter desistido e começou a cuspir o Sol de volta para o céu.
Aliviado, mas muito mais furioso, o imperador Chun King, quis saber onde estavam Hsi e Ho, que deviam ter lhe avisado da aproximação do dragão com antecedência, o que evitaria toda aquela confusão. E parece que, além dos astros, nossos distraídos astrônomos também eram chegados num saquê. Eles foram encontrados completamente embriagados, enchendo a cara e cantando abraçados aquele sertanejo sofrência chinês enquanto o mundo se acabava lá fora.
Enfurecido, o imperador determinou que os dois fossem decapitados. E para que algo assim nunca mais voltasse a ocorrer, o trágico destino de Hsi e Ho foi eternizado nos versos de um poema.
“Aqui descansam os corpos de Hsi e Ho,
cujo destino, embora triste, era previsível:
serem mortos porque não informaram
o Eclipse que era imprevisível.”
Evidentemente, algumas lacunas dessa história foram preenchidas com inferências feitas a partir do contexto da época e também um pouco de “história inventada só pra relaxar”. Mas em linhas gerais, foram esses os fatos que determinaram o triste fim de Hsi e Ho, e o mais antigo registro escrito de um eclipse solar da história da humanidade.
O eclipse solar total acontece nesta segunda-feira (8). O evento astronômico mais esperado do ano será visto apenas na América do Norte e o Brasil não será contemplado. Mas para você não perder nenhum detalhe, o Olhar Digital vai transmitir tudo ao vivo.
A live especial do Olhar Digital vai trazer imagens do eclipse solar total contando ainda com a participação de convidados especiais.