Em 2019, estima-se que havia 2,46 milhões de pessoas com 60 anos ou mais vivendo com demência no Brasil. Esse número deve subir exponencialmente nos próximos anos, e atingir 5,05 milhões, em 2039, e 8,74 milhões, em 2049. No entanto, cerca de 80% dos pacientes não são diagnosticados.
A demência já é a quarta causa de morte no País. Entre 2010 e 2021, o Brasil apresentou crescimento no registro de óbitos relacionados à síndrome, que respondeu por 440 mil mortes entre idosos nesse período.
Os dados são do Relatório Nacional sobre a Demência, fruto de uma parceria entre o Ministério da Saúde e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), divulgado nesta sexta-feira, 20.
A demência é uma síndrome marcada pelo declínio da função cognitiva (capacidade de processamento do pensamento) e perda da autonomia. Ela pode ser causada por uma série de doenças — por vezes, mais de uma ao mesmo tempo (demência mista) —, sendo a principal o Alzheimer.
Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), acredita-se que, em 2019, 55,2 milhões de pessoas no mundo viviam com demência. A estimativa é que o número suba para 78 milhões, em 2030, e 139 milhões, em 2050. Essas previsões, contudo, desconsideram mudanças nas taxas de prevalência específicas por idade nas próximas décadas.
Consenso
Os dados apresentados nesta sexta são um “esforço emergencial”. O objetivo é dar alguma previsibilidade a gestores públicos e profissionais da saúde sobre a dimensão da demência no Brasil, em um momento de veloz transição demográfica, marcada pelo envelhecimento populacional.
“Nós temos 30 milhões de pessoas com 60 anos ou mais no Brasil, de acordo com o último Censo, o que corresponde a 15% da população brasileira”, lembrou Cleusa, no evento de lançamento do relatório, em Brasília. “A população acima de 60 anos cresceu nove vezes mais do que a população geral.”
De acordo com o consenso, a prevalência média de demência na população brasileira com 60 anos ou mais correspondeu a 8,5% em 2019, sendo 9,1% entre as mulheres e 7,7% entre os homens.
A prevalência aumenta com a idade. Segundo o relatório, ela é de 2% na faixa dos 60 aos 64 anos, e passa para 43% na faixa de 90 anos ou mais.
Todos esses dados, porém, são estimativas, fruto de um consenso de 15 especialistas reunidos pelo ministério e pela Unifesp. Eles foram providos dos principais estudos sobre prevalência da demência no Brasil — muitos com dados apenas do Sudeste — e, em várias rodadas, estimaram qual seria o cenário nacional.
A técnica utilizada, chamada método Delphi, já foi usada para estudos sobre demência em outros países e, embora importante, tem limitações. “Os dados atualmente disponíveis não espelham a fotografia real da situação da demência no País”, alerta o próprio relatório. “O consenso não substitui a evidência. Ele é um valor provisório. Precisamos de dados melhores para chegar ao número mais provável de pessoas com demência no País”, disse Cleusa.
Subdiagnóstico
O relatório traz o primeiro estudo com estimativas de subdiagnóstico de demência para todo o Brasil. Isto é, a porcentagem de pessoas que, embora apresentem a síndrome, não receberam diagnóstico médico. No cenário mais otimista, ela é de 80,2%. No mais pessimista, 88,7%, bem acima de outras localidades. No mundo, segundo estudos, as taxas podem chegar a 53,7% na Europa, 62,9% na América do Norte e 93,2% na Ásia.
De acordo com o relatório, o cenário é desigual no País. “A Região Norte apresenta a maior porcentagem de pessoas com demência que não estão diagnosticadas, seguida pelo Nordeste e Centro-Oeste. Já as menores taxas parecem ocorrer no Sudeste, seguido pela Região Sul”, diz o documento.
“O diagnóstico precoce e correto de demência permite um manejo terapêutico adequado, pode ajudar a melhorar o prognóstico (do paciente) e, certamente, pode contribuir para diminuir a sobrecarga de familiares e cuidadores”, afirmou o neurologista Paulo Caramelli, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), durante o evento.
Segundo Cleusa, não há dúvida de que, no cenário atual, a melhor forma de diminuir a carga da demência nas gerações futuras é a prevenção, com foco nos fatores de risco modificáveis. “Em estudos feitos em outros países, nos quais há uma diminuição da incidência da demência, ela tem sido atribuída muito a uma melhora substancial do controle, tratamento e cuidado das doenças cardiovasculares, e da escolaridade. Se atuarmos bem nesses fatores, podemos fazer muito pelas gerações futuras.”
Recentemente, um relatório publicado na revista científica The Lancet mostrou que modificar 14 fatores de risco seria capaz de evitar 45% dos casos de demência no mundo. No Brasil, a mudança nesses fatores poderia prevenir até 48,2% dos casos.
Mortalidade
Em 2019, a demência atingiu a quarta posição entre as causas de morte de brasileiros acima de 70 anos, de acordo com o Estudo Carga Global de Doenças (Global Burden of Disease, na sigla em inglês).
O novo relatório usou dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, para entender as principais tendências na última década. Foi descoberto que, entre 2010 e 2021, foram registradas 440.318 mortes relacionadas à demência em indivíduos com 60 anos ou mais no Brasil.
O Alzheimer foi a principal causa, responsável por 344.767 desses óbitos (78,3%); seguida por demência vascular, presente em 14.372 declarações de óbito (3,3%). Outras causas de demência foram citadas em 81.179 mortes (18,4%).
A análise mostrou ainda que as taxas de mortalidade por demência no Brasil aumentaram a cada ano na última década. Por exemplo, foram 22.579 óbitos notificados em 2010, e 46.442 mortes em 2019.
“Sabemos que a pessoa com demência, quando interna, muitas vezes vai a óbito por um contexto de pneumonia ou de queda. E a demência fica subdiagnosticada ou subnotificada”, ponderou Lígia Gualberto, coordenadora de Atenção à Saúde da Pessoa Idosa do ministério. “Precisamos aprimorar o preenchimento das declarações de óbito”, reforçou Cleusa.
Estigma
Essa preocupação se acentua quando o relatório mostra que um a cada três profissionais da saúde acredita que a demência é consequência do processo de envelhecimento natural, o que não é verdade. Entre as pessoas que vivem com demência e seus familiares, a maioria carrega essa crença incorreta.
O Relatório Mundial de Alzheimer 2024, também divulgado nesta sexta pela Alzheimer’s Disease International (ADI) em parceria com a London School of Economics and Political Science (LSE) reforça que a demência continua cercada por desinformação e preconceito.
O estudo revela que 80% das pessoas ainda acreditam que a demência é uma consequência natural do envelhecimento, e que 88% das pessoas que vivem com demência sofrem algum tipo de discriminação, um aumento de 5% desde 2019. “Esse preconceito resulta em isolamento”, diz a Federação Brasileira das Associações de Alzheimer (Febraz).
Conforme já mostrou o Estadão, com o passar do tempo, é esperado que haja um decréscimo leve e sutil da memória, mas em uma intensidade que não afete a autonomia da pessoa, como ocorre nas demências.