Promessas de cura divulgadas na internet geram expectativas e dúvidas em pacientes com doenças crônicas, incluindo diabetes. A enfermidade acomete mais de 10% dos brasileiros e não tem cura. Mas existem, sim, situações em que há remissão.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), é possível considerar que há remissão da doença quando um paciente permanece por mais de três meses com taxas estáveis de glicose e de glicohemoglobina, também conhecida como hemoglobina glicada, sem uso de medicamento.
Na prática, isso significa manter — sem remédios — a glicemia em jejum abaixo de 126 mg/dl e a glicohemoglobina menor do que 6,4%. Esses são os limites para uma pessoa ser considerada pré-diabética. Acima disso, o diagnóstico passa a ser diabetes.
A remissão, no entanto, é rara. “Na maioria das vezes, o diabetes tende a ser uma doença progressiva, a glicose tende a aumentar com o tempo”, afirma o endocrinologista Rodrigo Lamounier, membro do Comitê de Diretriz da SBD.
Além disso, a remissão de uma doença não significa sua cura. O termo refere-se a uma melhora temporária durante o curso de uma condição, em que há alívio dos sintomas, mas o problema ainda está presente no organismo. Por isso, mesmo em casos controlados, o paciente deve manter cuidados e acompanhamento, como o exame de fundo de olho, por exemplo.
É possível?
“É possível (haver remissão). Por exemplo, no caso do diabetes tipo 2, em que o sobrepeso e a obesidade são fatores determinantes para o surgimento e para a evolução da doença, a perda significativa de peso pode fazer isso”, diz Lamounier.
Segundo o especialista, a remissão pode ocorrer em pacientes com obesidade que realizam cirurgia bariátrica, que proporciona um emagrecimento significativo, levando a uma perda de até 30% do peso corporal.
Fora do contexto da cirurgia, recomendada em casos específicos, a tarefa é desafiadora. “A remissão do diabetes acontece geralmente com perda de peso acima de 15% a 20%. Perder esse peso de maneira sustentada no longo prazo é muito difícil, poucas pessoas conseguem”, analisa Lamounier.
Além disso, frente ao reganho de peso, o paciente tende a retornar ao quadro de hiperglicemia, ou seja, de excesso de açúcar no sangue — mesmo após a cirurgia bariátrica.
Para alcançar essa perda de peso sem o procedimento, estudos apontam que um caminho são dietas restritivas. “Você vê relatos de pessoas que conseguem fazer (restrição dietética) durante dois, três, quatro meses, mas fazer isso para o resto da vida não é fácil. Significa não comer arroz, pão, macarrão, mandioca, farinha”, descreve o endocrinologista.
Ele explica que, na teoria, esse tipo de dieta pode “normalizar” a glicose, mas na prática é algo difícil de atingir e ainda não há estudos que confirmem a segurança desse tipo de alimentação no longo prazo.
Em alguns ensaios clínicos controlados, diabéticos passaram três meses se alimentando de sopas e shakes e isso se mostrou eficiente no controle da doença. Contudo, quando colocada à prova em uma nova pesquisa realizada com pacientes da “vida real”, a adesão a esse tipo de dieta foi muito baixa.
Por isso, Carlos Eduardo Barra Couri, endocrinologista e pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP), acredita que o melhor caminho é o equilíbrio: ter uma alimentação saudável, mas não tão restritiva, praticar exercício físico e tomar as medicações prescritas para controlar o nível de açúcar no sangue e prevenir sequelas.
Debate de nomenclatura
Enquanto a SBD chama o quadro de remissão, há profissionais que preferem outros termos. Alguns, como Couri, utilizam “diabetes controlado”, mesma classificação usada com pacientes que têm a doença estabilizada por medicamentos. “Se com remédio uma hemoglobina glicada de 6,5% é considerada diabetes bem controlado, por que não considerar bem controlado quando você está tomando dois remédios: dieta e exercício?”, questiona.
Couri também acredita que o entendimento do público sobre a palavra “remissão” dá brecha para o charlatanismo, para profissionais mal-intencionados que tentam vender a cura da doença, o que não existe. Ele ressalta a importância de difundir essa informação para evitar que as pessoas caiam em golpes e corram o risco de ter sequelas pelo não tratamento do problema.
“No Brasil, não temos uma sociedade madura o suficiente para discutir remissão na prática clínica. Estamos no país em que mais da metade das pessoas com diabetes não tem nem um diagnóstico”, opina. “Acho muito bem-vindo a pessoa conseguir controlar a doença com uma grande perda de peso e mudando os hábitos de vida, mas isso é a realidade de uma minoria.”