Entenda por que o dólar voltou a operar acima de R$ 5 em dez pontos | Finanças

Redação
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O dólar iniciou o ano em R$ 4,85, mas ganhou força frente ao real nos três primeiros meses de 2024, em uma dinâmica que continua em vigor em abril. No entanto, o motivo para essa valorização forte da moeda americana, em torno de 4%, não é um só, o que tem levado o mercado a ficar bastante atento não só à dinâmica interna, mas, principalmente, ao exterior. Confira abaixo:

A maior economia do planeta é sempre o principal “driver” (guia) dos mercados financeiros globais. No caso do câmbio, que indica a relação de duas moedas (sendo uma delas o dólar americano), não seria diferente.

O fator de maior peso para essa apreciação é, sem dúvida, a mudança de postura do Federal Reserve (Fed). No final do ano passado, a autoridade monetária americana, por meio de comentários de seu presidente, Jerome Powell, indicou que poderia iniciar seus cortes de juros logo, o que deu margem para que o mercado passasse a precificar a primeira redução já em março de 2024.

Para o mercado de câmbio, juros mais baixos nos Estados Unidos significam um dólar mais fraco. Isso porque, com as taxas mais baixas ou em queda nos EUA, os investidores costumam optar por deixar seus recursos em países onde há taxas mais elevadas (como no Brasil). Menor fluxo de saída (ou maior fluxo de entrada) significa menor pressão sobre o câmbio e real mais valorizado.

Mas os dados econômicos nos EUA mostraram uma atividade forte e um processo de desinflação lento. E isso se fortificou ontem, quando dados de inflação ao consumidor nos EUA vieram acima do esperado e fizeram o mercado adiar as expectativas de início de ciclo de cortes de juros do Fed. Agora, o mercado acredita que a primeira redução nas taxas pode ser em setembro, diante de um discurso do Fed de que não tem pressa para flexibilizar sua política. No câmbio, isso se traduziu em um dólar forte globalmente.

2. A excepcionalidade da economia americana

Como mencionado acima, os dados mais fortes da economia americana foram motivos para o Fed se preocupar, já que a atividade econômica aquecida poderia resultar em um repique da inflação. A força da economia dos Estados Unidos, no entanto, explica outro movimento que fortalece o dólar: o maior fluxo para as bolsas do país. Se a perspectiva é de crescimento forte, apesar dos juros elevados, o investidor entende que as empresas devem continuar performando bem e tende a realocar investimentos para ações de companhias do país. Ou seja, fuga de dólares para os EUA.

3. A narrativa da inteligência artificial

Na mesma linha da explicação acima, a narrativa em torno da inteligência artificial supervalorizou empresas americanas como Nvidia e Microsoft, levando ainda mais capital para o país. Não à toa, os índices acionários de Wall Street renovaram níveis recordes no começo deste ano. Mais um fluxo de dinheiro em direção ao território americano.

4. Posicionamento técnico “pesado” do investidor local na aposta a favor do real

Até aqui os fatores indicaram mais motivos para apreciação do dólar do que para a depreciação do real. A partir de agora, os itens trazem mais motivos para a penalização da moeda brasileira. Um dos pontos alertados pelo J.P. Morgan no começo deste ano era a posição vendida em dólar contra o real do investidor local (aposta de valorização do real), que estava em níveis muito elevados.

Isso porque havia na virada do ano um otimismo crescente em torno da moeda brasileira, tanto por conta das expectativas de corte de juros do Fed quanto por conta da balança comercial recorde do ano passado. Em 2023, as exportações brasileiras surpreenderam e garantiram uma forte entrada de dólares no país. Com o aumento das exportações de petróleo e com a perspectiva de que a safra de grãos se manteria elevada, os agentes financeiros passaram a acreditar que o dólar poderia cair até R$ 4,50.

O problema de uma aposta tão forte no real é que qualquer gatilho ruim poderia levar a um movimento de manada, em que a maioria dos agentes iria buscar reverter posições, penalizando, assim, o câmbio. E isso aconteceu. Não por acaso, o posicionamento técnico está mais “leve”, já que muitos investidores reduziram a exposição ao real.

5. A frustração com o setor imobiliário chinês e o minério de ferro

O temor em torno do setor imobiliário na China não é novo, mas, após o governo chinês dar inúmeros pequenos estímulos sem trazer uma reversão no segmento, a preocupação passou a crescer. O reflexo disso foi o preço do minério de ferro no mercado futuro, que despencou e saiu de US$ 140 por tonelada para algo em torno de US$ 100. Como a commodity ainda tem relevância na pauta exportadora do Brasil, essa queda não apenas pesou nos preços das exportações, mas também na perspectiva da moeda brasileira. Nos últimos dias houve uma recuperação, o que ajudou a dinâmica do câmbio, mas longe de ser um fator predominante para apoiar o real.

6. Saída forte de dinheiro da bolsa brasileira

Com juros elevados nos EUA, a economia americana mais forte, a narrativa atrativa da inteligência artificial e dúvidas sobre commodities, a bolsa brasileira passou a perder espaço e reverter o fortalecimento observado no fim do ano passado. Apenas nos três primeiros meses do ano, o investidor estrangeiro tirou R$ 22,90 bilhões no segmento secundário (ações já listadas) da bolsa brasileira, a B3. Foi a maior saída trimestral de recursos externos da bolsa desde o terceiro trimestre de 2021.

7. Ruídos envolvendo governo e empresas brasileiras

Os ruídos em torno das empresas brasileiras são outro motivo que ajuda a explica a saída de capital do Brasil. O temor ficou evidente com o não pagamento de dividendos extraordinários pela Petrobras no mês passado. Na data da decisão, o dólar avançou 0,97%. Operadores de câmbio afirmaram que a venda de ações de estatal pode ter gerado um fluxo de saída do país que pesou sobre o câmbio. Diante disso e de tentativas de nomeações para a Vale e interferências na Eletrobras, o prêmio de risco do câmbio aumentou, segundo avaliações de operadores. Maior prêmio de risco, nesse caso, é sinônimo de dólar mais alto.

8. Dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida brasileira

Ainda sobre prêmio de risco, a percepção de que a dívida pública pode não ter uma evolução sustentável também preocupa os agentes financeiros. Embora o Brasil tenha tido dados melhores de arrecadação no começo deste ano, a intenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em aumentar os gastos (principalmente diante da queda de sua popularidade) voltou a preocupar os investidores locais. Além disso, as discussões incessantes sobre mudança na meta de resultado primário deste ano (de 0% do PIB) e do próximo (de 0,5% do PIB) também não contribuem positivamente para uma melhora mais sustentada do real.

9. Peso mexicano forte e valorizado frente ao dólar

Outra razão que pode ter minguado capital para o Brasil e penalizado o real é a narrativa do peso mexicano. Quando o investidor estrangeiro analisa mercados emergentes para fazer alocação de recursos, observa quais destes apresentam os melhores cenários. Neste sentido, o mercado brasileiro se assemelha bastante ao do México.

Mas a proximidade com os Estados Unidos (com muitas famílias mexicanas recebendo remessas de parentes em território americano, além do chamado “nearshoring”, ou seja, produção mais próxima do consumidor) e a situação fiscal mais estruturada beneficiam a moeda mexicana, mesmo em ano eleitoral no país. Não à toa, neste ano, o peso mexicano é uma das poucas moedas mais líquidas que avançam contra o dólar. Até esta quarta, a desvalorização da moeda americana frente ao peso era de 2,45% no ano.

10. Erosão do diferencial de juros

Outra razão que começa a pesar sobre o real é o estreitamento do diferencial de juros. Como explicado acima, o investidor estrangeiro busca olhar qual mercado global tem juros mais elevados (além de observar o risco e a volatilidade) ao fazer aplicações em taxas.

Quando os juros no Brasil são muito superiores ao dos EUA, o mercado local permanece mais atraente. Mas, desde agosto do ano passado, o Banco Central vem cortando a Selic, que saiu de 13,75% e agora se encontra em 10,75%. Ainda que os juros continuem elevados, uma boa parte da gordura deste diferencial foi eliminada, enquanto as taxas americanas continuaram no mesmo patamar que estavam em agosto do ano passado, no intervalo de 5,25% e 5,50%. Neste sentido, o peso mexicano (novamente ele) tem sido mais atrativo, já que o Banxico começou a cortar suas taxas apenas em março e de forma bastante cautelosa.

Fonte: Externa

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