O papel do sistema financeiro é fundamental na transição para uma economia de baixo carbono que incentiva a modernização produtiva e conserva os biomas brasileiros. O setor impulsiona a agenda ESG de forma sistêmica na medida em que promove o direcionamento de recursos para atividades que investem na conservação e restauro ambiental, na transição energética e em produções inovadoras e sustentáveis, por exemplo.
“Nosso olhar é sempre por uma perspectiva de infraestrutura: em que medida os sistemas e processos com alta capacidade, performance e capilaridade podem contribuir para o fluxo do mercado de finanças sustentáveis no Brasil”, afirma Leonardo Paulino Betanho, superintendente de produtos balcão da B3.
O aumento de produtos e transações que levam em consideração a sustentabilidade reflete o perfil do novo investidor, mais preocupado com a gestão de riscos ambientais e climáticos, além dos próprios consumidores, cada vez mais exigentes quanto a rastreabilidade das cadeias produtivas para identificar desmatamento e outros crimes socioambientais.
No âmbito regulatório das finanças sustentáveis no Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vem promovendo mudanças legais que ampliam a percepção de valor agregado em organizações mais sustentáveis e de combate ao greenwashing.
“Para financiar a transição para uma economia de fato mais sustentável e mais resiliente, os países em desenvolvimento precisam de mais de US$ 4 trilhões em investimentos. Por isso, é importante mobilizar o capital privado e a CVM reconhece seu papel de apoiadora e fomentadora de políticas públicas”, aponta Nathalie Araujo Vidual, superintendente de proteção e orientação aos investidores da CVM.
O primeiro foco da Autarquia foi a transparência, com informações e supervisão para, depois, seguir evoluindo em guias e orientações de melhores práticas.
No ano passado, a CVM anunciou a Resolução 193, que trata da incorporação das regras IFRS S1 e S2 emitidas pelo International Sustainability Standards Board (ISSB) ao arcabouço regulatório nacional. “A Resolução foi um divisor de águas nessa temática, porque é a regra que endossa os relatórios de divulgações financeiras de sustentabilidade”, afirma Nathalie.
As IFRS serão incorporadas à estrutura regulatória brasileira e até 2025 a aplicação é voluntária, passando a ser obrigatória a partir do exercício de 2026. A adoção das normas deve fortalecer os mercados de capitais do país, aumentando a transparência e facilitando a atração de investimentos globais.
Outro ponto significativo nessa jornada é a construção da taxonomia, o sistema que vai estabelecer a classificação para as diferentes atividades econômicas, projetos e ativos financeiros. “Ela é extremamente relevante para o sistema financeiro como um todo e trará uma complementariedade para os relatórios financeiros de sustentabilidade, sendo uma ferramenta adicional que possibilitará maior padronização”, aponta superintendente.
Nathalie explica que a CVM está integrada com o governo, trabalhando no plano de ação para desenvolvimento da taxonomia sustentável – e que o modelo de divulgação atual para as companhias de capital aberto é o “pratique ou explique”, mas que com a construção da taxonomia será possível evoluir e, eventualmente, passar por uma rodada de aprimoramento de regras.
“A União Europeia, por exemplo, já está muito avançada no tema e conseguiu, inclusive, propor critérios objetivos para enquadramento de carteira de fundo que se autodenomina ESG. O enquadramento baseado em percentuais fica mais objetivo para a tomada de decisões de qualquer investidor”, diz Nathalie.
Nesse sentido, a taxonomia deverá trazer outros desdobramentos que são muito importantes para o mercado evoluir ainda mais.
Além disso, com relação às iniciativas da CVM envolvendo créditos de carbono, a Autarquia já estabeleceu, em 2022, na Instrução CVM 175/22, a possibilidade de que os Fundos de Investimento Financeiros (FIFs) detenham até 10% do seu patrimônio líquido em créditos de carbono, observado o disposto nessa instrução.
Em 2023, a CVM publicou uma Consulta Pública CVM SDM 03/2023 sobre FIAGRO, na qual busca discutir, entre outros aspectos, a possibilidade para os Fiagros adquirirem créditos de carbono sem restrição de percentual do seu patrimônio em créditos de carbono do mercado voluntário ou regulado. Essa Consulta Pública está listada como prioridade normativa da CVM para a Agenda em 2024 e para o seu Plano de Ação em Finanças Sustentáveis 2023-2014.
Principais produtos ESG oferecidos pela B3
A Bolsa oferece um portfólio de instrumentos sustentáveis desde produtos atrelados à descarbonização até àqueles com métricas ambientais e/ou sociais.
CPR Verde: em 2022, a Bolsa recebeu o registro da primeira Cédula de Produto Rural Verde emitida sob as diretrizes do decreto nº10.828/21. O título permite a captação de recursos para o financiamento da conservação de florestas nativas e seus biomas.
A B3 oferece para o agronegócio soluções para registro, depósito e outros serviços para esse ativo. “Totalizamos quase 85 instrumentos que representam aproximadamente R$ 5 bilhões em emissão, sendo parte referente à recuperação e à preservação florestal, e outra diretamente vinculada ao carbono”, explica Leonardo Betanho, da B3.
CBIO: o crédito de descarbonização (CBIO) é um instrumento estabelecido pela Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) que auxilia o Brasil no cumprimento das suas metas de descarbonização para o setor de combustíveis assumidas perante o Acordo de Paris.
Além de disponibilizar o ambiente para registro e negociação de CBIO, a Bolsa possibilita também a sua aposentadoria. Ao todo, contabiliza mais de 100 milhões de instrumentos emitidos desde 2020, sendo mais de 85 milhões já aposentados desde o início do programa, que conta com 30 instituições financeiras participantes e centenas de compradores e vendedores. Só em 2023 foram mais de R$ 9 bilhões em negócios.
Créditos de carbono: a B3 disponibiliza ambiente de registro e, em parceria com a ACX, viabilizará ao longo de 2024 a plataforma de negociação entre os vendedores dos créditos e empresas que compensam as emissões adquirindo créditos no mercado voluntário.
Títulos temáticos (ESG): o Brasil tem uma enorme oportunidade para evoluir nesse mercado que engloba Títulos Verdes, Sociais, Sustentáveis e os Vinculados à Sustentabilidade (Green, Social, Sustainability e Sustainability-Linked Bonds).
Os dados da B3 contabilizados desde 2019 até dezembro de 2023 demonstram um estoque de 212 instrumentos (equivalente a mais de R$ 92 bilhões), sendo em sua grande maioria debêntures e certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs).
“Além dos valores mobiliários, desde 2022, possibilitamos a marcação ESG também para alguns produtos de captação bancária, como Certificado de Depósito Bancário (CDB), Letra Financeira (LF), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e Letra Imobiliária Garantida (LIG)”, conta Leonardo. Nesse sentido, a B3 já contabiliza um volume financeiro de R$ 12 bilhões em estoque no final de 2023.
“Promover a descarbonização por meio de uma taxonomia objetiva e com critérios específicos, de um mercado de carbono íntegro, transparente e com gestão de inventários de emissão de GEE de forma ambiciosa e com responsabilidade ambiental contribuirá para o atingimento das metas nacionais e por setor”, conclui.