Adolescentes são expostos aos piores aspectos da natureza humana nas redes sociais, diz Pinker

Redação
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ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO* – Notificações constantes, scroll infinito (os famosos “feeds infinitos” de conteúdos) e conteúdos virais. Esses são alguns recursos das mídias sociais que têm alarmado especialistas em saúde pelo mundo pelo potencial de fisgarem nossa atenção, principalmente quando o assunto são crianças e adolescentes. Um deles é o psicólogo e linguista canadense Steven Pinker, professor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. No entanto, para ele, só esses aspectos não são capazes de elucidar o tamanho do desafio que encaramos.

Ele frisou que não podemos esquecer de como a humanidade também gosta de transferir a culpa de suas mazelas para a tecnologia. “São adolescentes reais tornando a vida de outros (adolescentes) miserável”, falou ele, durante coletiva de imprensa no Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado no Rio de Janeiro entre os dias 26 e 29 de junho.

“Nas redes sociais, os adolescentes são expostos a alguns dos piores aspectos da natureza humana, como insultos, sarcasmo e competição social, tentando deliberadamente competir no status, fazendo outros adolescentes se sentirem mal consigo mesmos”, continuou.

Ele fez um aceno às recomendações do psicólogo americano Jonathan Haidt, autor do best-seller A Geração Ansiosa: Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais. A obra ganhou uma versão brasileira na última sexta-feira, 12, mas já esteve presente nas falas de diversos especialistas durante o Congresso Brain.

As quatro principais orientações de Haidt são:

  • Nada de smartphone antes do nono ano (por volta dos 14 anos): adiar o contato com aparelhos que deem amplo acesso à internet (se eles forem realmente necessários, os responsáveis devem fornecer equipamentos mais básicos);
  • Nada de redes sociais antes dos dezesseis anos.
  • Nada de celular na escola.
  • Muito mais brincar não supervisionado e independência na infância.

Christian Kieling, professor do departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considera a quarta orientação de Haidt como a mais importante, e acha que proibições não são tão produtivas. “Trabalhando com adolescentes, sabemos que se for proibido talvez seja mais atrativo ainda.” Ele estava no Congresso do Brain e foi um dos que trouxe o best-seller ao debate.

Para alguns especialistas, uso excessivo de redes sociais está causando epidemia de transtornos mentais entre crianças e adolescentes Foto: evannovostro/Adobe Stock

A grande reconfiguração e a geração ansiosa

Os grandes argumentos do livro de Haidt é que a geração Z, os nascidos entre 1995 e 2010, é a geração ansiosa, e que isso ocorre devido a uma “grande reconfiguração” da infância, que passou de baseada no brincar para baseada no celular. Para ele, essa transição é causada por dois fenômenos: uma superproteção física a partir dos anos 1980, que remove as crianças da rua com a percepção dos riscos de estar sozinho nesses espaços pelos pais; e uma subproteção da vida digital. Se você gostou desse post, não esqueça de compartilhar sobre o livro aqui.

“Hoje, temos uma hiperproteção das crianças e adolescentes no mundo real. Não deixamos as crianças saírem na rua sozinhas, fazer coisas sozinhas, por correrem risco. Mas dentro dos quartos, podem ficar no telefone delas fazendo o que quiserem”, explicou Kieling.

Kieling destaca que a adolescência é um período de “intenso desenvolvimento neurocognitivo”. “Em que capacidades como entender metáforas, usar sarcasmo, a metacognição — pensar sobre o pensar — estão se desenvolvendo. E um aspecto importante é o fenômeno da audiência imaginária, a ideia de que aquilo que estou sentindo ou pensando em determinado momento vai ser observado por todos ao meu redor. Algo que pode ser amplificado pelas mídias sociais.”

Desde o lançamento e o sucesso de vendas do livro de Haidt, também veio a onda de críticas e ponderações dentro da comunidade científica. Ganhou destaque um relatório lançado no final do ano passado da por um comitê das Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA, que diz que “as pesquisas disponíveis que vinculam as mídias sociais à saúde mostram pequenos efeitos e associações fracas”.

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“Não há evidências suficientes para afirmar que as redes sociais causam mudanças na saúde dos adolescentes em nível populacional, mas a pesquisa mostra que as redes sociais têm o potencial tanto de prejudicar quanto de beneficiar a saúde dos adolescentes”, diz um comunicado enviado à imprensa.

O relatório aponta que essas correlações não conseguem distinguir a direção da relação entre os dois”. As redes sociais influenciam o estado de saúde? Ou o estado de saúde influencia o uso das redes? “A maioria das pesquisas também não consegue estabelecer se essa relação é causal ou capturar as diferenças individuais entre os adolescentes”, frisa o comunicado. O próprio documento, embora desenvolvido por grandes nomes da comunidade científica, também sofre críticas.

O Estadão levou essas ponderações a Pinker durante o congresso. Ele respondeu: “Haidt admite que, a princípio, havia apenas uma correlação, mas agora há mais e mais evidências causais. Ou seja, quando as crianças desistem das redes sociais como um teste, a saúde mental melhora. Eu era muito cético no início e pensei que isso era apenas uma correlação, mas acho que as evidências estão melhorando.”

Kieling destaca que dados longitudinais, ou seja, que examinam determinado desfecho ao longo de um período maior de tempo, ajudam a dar mais solidez a essa hipótese. “(Mas) Estamos num quadro muito nebuloso, em que a gente tem associações transversais que não mostram causalidade, tem algum estudo longitudinal aqui ou ali que sugere algum tipo de causalidade, mas que não é robusto, forte o suficiente ainda para a gente possa fazer uma afirmação categórica.”

“A gente não tem evidências de que essas tecnologias intrinsecamente causem mal, até porque temos evidências de alguns subgrupos (a exemplo dos idosos) que podem até se beneficiar do uso dessas tecnologias”, fala.

Precisamos brincar mais

Kieling, porém, frisa que a velocidade da ciência não consegue acompanhar a da tecnologia. Ou seja, mídias sociais têm surgido e se estabelecido rapidamente, o que dificulta o processo de pesquisar, submeter os resultados da pesquisa a um periódico cientifico e passar pelo escrutínio de pares. Para ele, a melhor recomendação neste momento é que: não temos evidência para dizer que o uso de mídias sociais é algo seguro para os jovens.

Não temos evidência para dizer que o uso de mídias sociais é algo seguro para os jovens

Christian Kieling, psiquiatra

Ele faz um apelo por mais transparência das empresas de tecnologia. Acessar dados mais objetivos sobre o consumo dos adolescentes nessas mídias sociais é importante para uma ciência de mais qualidade, afinal, os relatórios que eles mesmos têm acesso, como tempo de tela, que são usados em alguns estudos — com a anuência do paciente —, são limitados e dependem completamente da boa vontade das big techs.

Kieling também aponta que um ponto importante dos argumentos de Haidt, que parece ter ficado esquecido, é a questão da superproteção do mundo físico e sobre o que se perde com tanto uso de telas. “Acho que esse é o ponto principal dele, de como a gente está perdendo outras oportunidades durante a adolescência.”

“Sabemos que o desenvolvimento emocional e da autorregulação depende da experiência e não só de informações. Aquela criança e aquele adolescente precisam, inclusive, passar por frustrações para crescer emocionalmente. Dentro do brincar, ele tem experiências frustrantes num ambiente protegido, para depois encarar a vida lá fora. As mídias digitais, muitas vezes, não permitem esse tipo de experiência”, fala.

Sinais

Kieling não é fã de proibições — apesar de frisar que o acesso a conteúdos violentos e pornográficos, por exemplo, precisa ser completamente vedado —, e acha que elas podem sair pela culatra. O que, então, devemos fazer?

Para começar, redes sociais são permitidas apenas para adolescentes com 13 anos ou mais. O lance, aqui, será monitorar o uso, se é excessivo ou não. Algo que pode não ser só uma questão quantitativa, ou seja, número de horas de uso — embora seja uma métrica importante. Conforme mostrou o Estadão, a Academia Americana de Pediatria abandonou o conceito de tempo de tela adequado para cada idade, e introduziu a necessidade de reflexão sobre o tipo de uso delas, se é passivo ou ativo, por exemplo.

No que tange à saúde mental, Kieling destaca alguns comportamentos podem indicar que algo não vai bem:

  • Queda de rendimento escolar.
  • Isolamento/distanciamento social: “As nossas pesquisas, tanto quantitativas quanto qualitativas, têm mostrado que, às vezes, o adolescente não só se sente sozinho, como toma ações quase deliberadas para se afastar dos amigos, quando está mais deprimido”, diz o psiquiatra.
  • Queda no interesse em atividades que antes gostava muito.
  • Dificuldade de interromper o uso.

Sobretudo, Kieling defende que precisamos de um letramento ou alfabetização das crianças e adolescentes sobre essas tecnologias e os desafios que eles encontram nelas. “Aprender a usar o smartphone é tão importante quanto aprender português e matemática.”

Para Pinker, ainda não estão claras quais serão as soluções para nos remover dessa epidemia de transtornos mentais. No entanto, sejam quais forem, precisam ser coletivas. “Os próprios adolescentes dizem que gostariam de viver independentemente dos smartphones. Eles não querem smartphones, mas eles não podem (não ter) se todos os colegas tiverem. É um problema de ação coletiva.”

*O repórter viajou a convite do Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções

Fonte: Externa

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