Romulo Estrela diz ainda guardar na memória uma lembrança vívida do dia em que decidiu deixar a São Luís em que nasceu e cresceu para forjar uma carreira no Rio de Janeiro. Era 2002. “Eu falei para os meus pais: ‘Se eu não for agora, não vou mais. A hora é agora’”, se recorda, ao falar sobre a conversa tida em casa. O pai, pego desprevenido, pediu calma. Já a mãe não só topou como logo depois embarcou com o filho rumo à capital fluminense.
A surpresa não foi à toa. Romulo, então na casa dos 18 anos, cursava fisioterapia na faculdade e, até ali, cultivava a ideia de viver como lutador de jiu-jítsu, esporte que o levou a disputar torneios Nordeste afora e o consagrou como faixa preta. Mas alguns trabalhos em desfiles de moda e na publicidade surgiram, um curso de interpretação aconteceu e, quando se deu conta, o jovem maranhense viu despertado em si o desejo de ser ator.
Passados mais de 20 anos desde aquela decisão, Romulo Estrela já fez 16 novelas, sete séries, quatro filmes e três minisséries, além de dublagens e dezenas de participações em produtos da TV Globo. No início deste mês, comemorou a chegada aos 40 anos de idade cantando parabéns no set de filmagens de “Por Um Fio”, longa-metragem em que interpretará o médico Drauzio Varella e que acaba de ter suas gravações encerradas.
“Me encantei pelo projeto assim, de cara”, conta ele à coluna. A obra é inspirada e leva o mesmo nome do livro publicado em 2004 pelo cancerologista e colunista da Folha, em que reflete sobre a morte. “A gente fala pouco sobre esse assunto. É uma coisa que, quando a gente para pra entender, acalma um pouco o coração. [A morte] É uma certeza que a gente tem, talvez uma das poucas nessa vida”, afirma o ator.
Romulo diz ter abraçado o personagem de Drauzio e também se surpreendido com ele. “Num momento de tantos cancelamentos, a gente tem uma unanimidade, alguém que tem uma voz ativa e que consegue se colocar, por mais que gere algumas questões. E vou te falar: fazendo a minha pesquisa, vi muita coisa do Drauzio. É impressionante como ele sempre foi lúcido, certeiro e coerente com o discurso dele.”
Ao longo de cinco semanas, o ator contracenou com colegas como Bruno Gagliasso, que fará o irmão de Drauzio na trama, Zezé Motta e Othon Bastos. Nas redes, Bruno celebrou a conclusão do trabalho compartilhando uma foto em que ele e Romulo aparecem com as cabeças completamente raspadas.
À coluna, o ator maranhense afirma que essa foi a segunda vez em que os dois se viram envolvidos em um mesmo projeto —a primeira ocorreu há muito tempo, mas é lembrada por ele até hoje. “No início da minha carreira, fiz uma participação em uma novela da Globo onde ele era o protagonista. Lembro de, na ocasião, o Bruno me receber com todo carinho e atenção. Era o que eu mais precisava naquele momento.”
Para além do papel de Drauzio, Romulo já tem rodado um filme produzido e também protagonizado por Antonio Fagundes, “Maldito Benefício”. A obra se encontra em fase de edição e ainda não tem data para estrear, mas é aguardada com grande expectativa pelo ator.
“Foi uma experiência incrível, porque a gente filmou com baixíssimo orçamento, mas com uma equipe super competente e realizadora. É um grande drama, é uma grande tragédia, mas também uma comédia”, afirma sobre a produção, que conta a história de um idoso de baixa renda, à beira da morte, que descobre ter direito a uma bolada da Previdência Social.
“Acredito que o público que assistir a esse filme vai entender que o que a gente tem dentro da família brasileira são pessoas que, apesar das dificuldades —e não devemos romantizar isso—, levantam a cabeça e saem para trabalhar. E precisam, sim, de oportunidades, de facilidades, de cotas.”
O ex-protagonista da novela “Travessia” se prepara para o seu primeiro voo solo enquanto produtor de um longa ficcional idealizado por ele mesmo. A ideia é contar uma história ambientada nas vaquejadas do interior do Maranhão, em que um pai e um filho se veem sozinhos em uma relação em que não têm nenhuma afinidade.
“Esse projeto toca num tema que, para mim, é muito importante, que é essa desconstrução da masculinidade e a relação com o filho. Ele [o pai] é distante dessa criança —o contrário do que eu tenho com meu filho [Theo, de 8 anos], por exemplo, mas sei que estou num lugar de privilégio. É um assunto que me instiga muito”, revela ele sobre o longa, que está em fase de desenvolvimento de roteiro.
Romulo diz fazer questão de, enquanto homem, levar o tema da sensibilidade a seus trabalhos, apesar de acreditar que seus personagens sejam frequentemente estereotipados como galãs ou figuras que se impõem por meio da força, dada a sua aparência física.
“Acho importante trazer um homem que não está só nesse lugar da força e da potência, mas que pode ganhar na sensibilidade. Porque, caramba, nós somos isso também”, afirma. “A gente precisa abrir esse diálogo, mais do que a gente tem feito.”
Ele afirma ter assistido com consternação aos recentes episódios envolvendo os jogadores Robinho e Daniel Alves, condenados por estupro na Itália e na Espanha, respectivamente. “São casos que não só revelam, mas também amplificam um comportamento historicamente naturalizado entre os homens, contribuindo para a manutenção da cultura do estupro e da violência de gênero.”
“O que se viu ali é uma aparente sensação de impunidade, o que é um retrocesso alarmante para a nossa sociedade”, segue. “Nós, homens, realmente precisamos quebrar o silêncio em torno dessas questões e agir de verdade para fazer a diferença, não só pra gente, mas para as próximas gerações também. Isso significa, além de falar sobre o problema, entrar em ação, seja mudando comportamentos, aprendendo mais sobre como combater a desigualdade de gênero ou estando ao lado de quem sofreu violência.”
A paternidade, conta o ator, é um dos pontos em sua vida que mais o estimulam a refletir sobre as disparidades de gênero. “Tenho uma responsabilidade muito grande sobre quem ele [Theo, seu filho] vai ser como ser humano, como pessoa, como homem dentro de uma sociedade extremamente machista e misógina. A Nilma [Quariguasi, sua esposa e empreendedora] me ajuda muito nisso, a desconstruir esse olhar. É bonito ver que é possível.”
“Aceitei que eu precisava aprender muita coisa como pai. Desde dar um banho na criança, ter cuidado para ele não ter refluxo e limpar bem até a preocupação de com quem ele vai estar, os cuidados, se vai sofrer algum tipo de abuso, entender o que é dele e o que é do outro, os limites”, afirma.
Filho de um empresário formado em educação física e de uma auditora pública aposentada, o ator diz ter crescido em uma casa em que o protagonismo foi predominantemente feminino —ele tem uma irmã um ano e meio mais velha—, daí a inspiração para o modo como encara e divide os papéis no contexto de sua família.
“Sempre vi meu pai dando espaço para minha mãe brilhar, e isso é muito bonito numa relação. Não que ela não desse espaço para ele também, mas ela sempre foi uma mulher grandiosa, muito potente. E meu pai, como homem, nunca se viu nesse lugar de ter, por uma questão social, que impor alguma coisa dentro de casa, muito menos fora. Isso fica na gente.”
“Eu aprendi a dar para os outros o que eu quero receber dos outros, e isso quem me ensinou foram os meus pais. Você se entregar e se doar mesmo quando está em uma situação limite é difícil. E eu acho que essa sutileza e essa sensibilidade estão em falta hoje no mundo.”
Mesmo tendo partido de São Luís há 22 anos, Romulo diz que o regresso à terra natal costuma não só trazer consigo o aconchego da casa dos pais e a lembrança de um tempo que não volta mais, como também inspiração para a sua vida artística. Foi uma viagem recente à capital maranhense, por exemplo, que deu a ele a certeza de que deveria investir no seu longa ambientado no interior do estado.
“O que eu sinto é que um país e uma sociedade se dão a partir de muitas coisas, mas também a partir da cultura, da arte, da sua história. Você não pode deixar isso de fora. E o Brasil é um país enorme, com muitas histórias para serem contadas. Imagina, era pra gente ter uma produção audiovisual fortíssima! Fortíssima.”